- Lorena Buiatti
Retirada de sonhos

– Olá meu senhor, em que posso ajudá-lo?
– Eu gostaria de fazer uma retirada.
– De quanto, senhor?
– De quantos sonhos forem possíveis… – o chapéu pendeu na mão calejada.
– Desculpe senhor – a moça pareceu nada convincentemente triste – Mas todas as retiradas de sonhos foram canceladas.
– Não… Não é possível! – a cara suja e castigada pelo sol arregalou-se de assombro – Mas eu os vim guardando aqui por muito tempo.
– Pois é, muitos fizeram isso – ela começou a lixar as unhas – Porém o governo chegou à conclusão de que havia muitos sonhos acumulados e que o índice de retiradas aumentou muito, por isso foi cancelado.
– Mas e agora?
– Mas e agora, o quê?! – ela parou de lixar as unhas e o encarou, como se não entendesse – Agora o senhor volta para o seu emprego e vive como sempre.
– Mas me prometeram a liberdade, quando eu tivesse rendido o suficiente! – o chapéu que estava em suas mãos foi para o chão – Finalmente esse dia chegou! Eu quero meus sonhos! Eu exijo meus sonhos! – e gritou nessa última parte.
– Algum problema aqui? – chegou um policial gordo com uma cara redonda, estilo bolacha, e com os botões do uniforme sob forte pressão na região abdominal. Ele olhou do senhor para a moça.
– E-e-eu quero meus sonhos – disse o velho homem, com a cabeça baixa, triste – Trabalhei toda a vida para isso.
– E eu lhe disse que foram canceladas as retiradas de sonhos – replicou a moça, trombuda – Se houvesse me escutado.
– Ah, mas eu escutei senhorita – ele estava se exaltando – Todavia a senhorita deveria ter notado que eu apenas vim retirar o que é meu, por direito!
– Desculpe, meu senhor, mas eu creio que ela foi muito clara – disse o policial, colocando uma mão no queixo – Acho que o senhor deveria retirar-se.
– Não sem antes pegar o que é meu.
– O que é seu?! – a mocinha exaltou-se – Eles nunca foram seus! Você apenas forneceu ao governo um pagamento, pelo bom comportamento que teve. Assim como todos os outros fizeram.
– E eles nunca reclamaram, não é mesmo?! – o policial olhou rindo para a mocinha que riu junto – Você deveria seguir o exemplo deles, meu senhor. Seja gentil, eh?
– Eu exijo falar com o gerente! – disse o senhor pegando o chapéu do chão.
– Ele lhe dirá a mesma coisa – a mocinha respondeu – Mas se o senhor insistir…
– Claro, eu insisto…
– Só um segundo, por favor.
– Espero que o assunto seja rápido tenho muito a fazer! – esse era o gerente – Ho,ho, então o senhor quer retirar os seus sonhos?
– Sim, senhor.
– Eu creio que, como já disse essa mocinha, que isso seja impossível. Hum, por que o senhor não volta daqui uns dias, eh? Talvez o governo já tenha autorizado novamente as retiradas de sonhos – E segredou para o guarda e para a moça – Acho meio difícil.
– Ai, ai, – respondeu o guarda, rindo – Então, meu senhor, aceite que não terá seus sonhos. Volte para a produção. Volte para a sociedade!
– É, seja um bom cidadão – pediu a moça, fazendo beicinho
– Sociedade? Cidadão?! E vocês lá sabem o que é isso? – respondeu o senhor e começou a falar para si mesmo – Me disseram, na escola, que era bom ser um cidadão, viver em sociedade. Me disseram que, quem era bom cidadão, ganhava prêmios, reconhecimento, respeito. Hoje em dia essas palavras me soam como uma prisão..
– Me desculpe senhor – o gerente interrompeu – O que disse?
– Que – respondeu, gritando, o velho homem – Sociedade e Cidadão, ou Cidadania, são palavras que me soam como prisões. Isso mesmo, não passam de prisões! – algumas pessoas que passavam na rua deram uma olhada no que se passava dentro do banco, mas foi bem rápida, afinal, ninguém tem tempo a perder.
– Meu senhor, mantenha o decoro – pediu o guarda, parecendo envergonhado.
– Senhor, eh, senhor – chamou o gerente – Vamos conversar na minha sala, sim? Policial, queira nos acompanhar, por favor? – O senhor, o gerente e o guarda se dirigiram à sala do gerente.
Eu bem que gostaria de contar o final dessa história, talvez conversar com o senhor, fazer uma entrevista, mas ele nunca mais foi visto.